in Revista de Psicología
Regulação emocional e sintomas depressivos em pacientes portadores de psoríase
Resume:
O presente estudo objetivou avaliar a influência de estratégias de regulação emocional, características sociodemográficas e clínicas na sintomatologia depressiva em pacientes psoriáticos. Participaram do estudo 72 pacientes adultos de ambos os sexos, com idades entre 18 e 78 anos, por meio dos critérios de amostragem acidental e por conveniência. Os instrumentos utilizados foram um questionário sociodemográfico e clínico: o Questionário de Regulação Emocional (QRE) e a Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS). A regressão logística indicou características clínicas (autorrelato de grau da doença), bem como a estratégia supressão emocional, como covariáveis com significativa relação com a presença de sintomas depressivos em pacientes psoriáticos. Concluiu-se sobre a influência da supressão emocional e percepção de gravidade da própria doença como principais correlatos para a depressão. Por fim, acredita-se na importância de destacar a necessidade de se desenvolverem intervenções psicológicas com tais pacientes. Ademais, é relevante focar no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento da doença, para favorecer maior qualidade de vida a esses pacientes.
Introdução
A psoríase é uma doença inflamatória crô-nica da pele e articulações, de etiologia multi-fatorial, que possui fator genético determinan-te, bem como fatores imunológicos, ambientais e psicológicos como precipitantes importantes em sua expressão e irritação (Boehncke & Schön, 2015; Consenso Brasileiro de Psoríase, 2012; Silva, 2014 ). Trata-se de uma enfermi-dade não transmissível, dolorosa, desfigurante e incapacitante, sem cura e com grande impac-to negativo na qualidade de vida (World Health Organization [WHO], 2016).
De acordo com o Relatório Global sobre Psoríase (WHO, 2016), sua prevalência relata-da em países varia entre 0,09% e 11,43%, constituindo-se como um importante problema global, com pelo menos 100 milhões de indi-víduos afetados em todo o mundo. Há indícios de que sua incidência esteja crescendo pro-gressivamente. Na maioria dos países desen-volvidos, sua prevalência encontra-se entre 1,5 e 5%. Ademais, a psoríase parece ocorrer mais comumente nas populações do norte da Euro-pa e menos em populações da Ásia Oriental. No Brasil, a prevalência da psoríase é estimada em 1,3% (WHO, 2016).
A psoríase acomete ambos os sexos com similar incidência e, ainda que possa aparecer em qualquer idade, é mais comum em adultos (Boehncke & Schön, 2015; Consenso Brasilei-ro de Psoríase, 2012; Silva, 2014 ). As afecções crônicas da pele, a exemplo da psoríase, po-dem alterar a qualidade de vida das pessoas acometidas de formas distintas, influenciando no funcionamento diário, na vida laboral, no lazer e na vida social, bem como no estado emocional, gerando sofrimento psicológico e podendo chegar a quadros de depressão e an-siedade (Consenso Brasileiro de Psoríase, 2012; Faria, Teixeira, & Almeida, 2013; Silva, 2014 ). Em estudo realizado sobre o tema, ob-servou-se índices de depressão e ansiedade em 43,4% da amostra de pacientes em remissão da psoríase, aumentando para 50,7% naqueles com sintomas ativos (Faria et al., 2013 ).
Devido à sua natureza crônica, é comum que ocorram fases de melhora e piora na pso-ríase (Jorge, Müller, Ferreira, & Cassal, 2004). Ressalta-se que suas crises estão estritamente ligadas a aspectos emocionais (Faria et al., 2013 ; Ludwig et al., 2008; Silva, 2014 ), o que pode levar a quadros depressivos e até mesmo ao suicídio (Consenso Brasileiro de Psoríase, 2012; WHO, 2016). De acordo com tais auto-res, da mesma forma como se percebe o au-mento da ansiedade e sentimentos de retrai-mento em decorrência da doença de pele, tam-bém se evidencia a associação entre sintomas psicológicos e exacerbação dos sintomas físi-cos. Evidencia-se que portadores de psoríase se sentem marginalizados e alvos constantes de preconceito e discriminação, tornando-a uma das doenças que mais afeta o bem-estar psico-lógico (Boehncke & Schön, 2015; Consenso Brasileiro de Psoríase, 2012; Silva, 2014 ).
Sendo a psoríase uma doença crônica, com episódios de agudização dos sintomas, a inter-venção da psicologia da saúde se faz necessá-ria para melhorar o ajustamento do indivíduo, visando a proporcionar melhor enfrentamento face às limitações impostas pelo adoecimento, bem como melhorar a qualidade e as condi-ções de vida e saúde ( Batista, 2016 ; Vilhena et al., 2014). Ainda que não estejam bem defini-dos os fatores de risco de desencadeamento e exacerbação da doença, é importante ter mais clareza quanto ao funcionamento adaptativo em nível psicológico para terapêutica dos paci-entes dermatológicos. Assim, profissionais de saúde devem trabalhar em conjunto para pro-porcionar melhor resultado no tratamento das doenças crônicas, em especial, as de pele ( Calvetti, 2014 ; Ludwig et al., 2008).
Sabe-se da influência de aspectos emocio-nais positivos e negativos no estado de saúde das pessoas ( Gross, 1998 ; Vilhena et al., 2014) e no desenvolvimento e adaptação do ser hu-mano ( Vaz, 2009 ). Em virtude disso, faz-se necessário entender como a regulação emocio-nal (RE) pode influenciar em desfechos de saúde mental, sobretudo em transtornos de-pressivos, posto que existem evidências da associação destes à psoríase (Consenso Brasi-leiro de Psoríase, 2012; Ferreira et al., 2017; Silva, 2014 ).
A capacidade de RE diz respeito a estraté-gias de enfrentamento que o indivíduo usa ao confrontar intensidade emocional indesejada (Leahy, Tirch, & Napolitano, 2013). A RE influencia a dinâmica adaptativa quando im-plementa estratégias de enfrentamento que auxiliam no reconhecimento e processamento de reações úteis para estimular um funciona-mento mais produtivo, modulando a experiên-cia emocional (Leahy et al., 2013 ). De acordo com a abordagem teórica de Gross, a RE con-siste em um processo em que os indivíduos influenciam as emoções que têm, sua tempora-lidade, duração e modo como as vivenciam e expressam ( Gross, 1998 ).
As principais estratégias de RE para estudo apontadas por Gross e John (2003) são a rea-valiação cognitiva e a supressão emocional. Os autores discorrem sobre a escolha destas em função de serem estratégias utilizadas usual-mente na vida cotidiana, bem como por sua possibilidade de manipulação em laboratório e definição em termos de diferenças individuais. Haja vista tais razões, desenvolveram uma escala, denominada Emotion Regulation Ques-tionnaire (ERQ) para fins de mensuração des-sas estratégias de RE. Ademais, esses dois con-juntos de estratégias têm sido associados a indicadores de adaptação e saúde física e men-tal (Batistoni, Ordonez, Silva, Nascimento, & Cachioni, 2013), o que os torna variáveis rele-vantes para investigação.
A reavaliação cognitiva consiste em modi-ficar o significado da situação de modo a alte-rar seu impacto emocional (Appleton, Buka, Loucks, Gilman, & Kubzansky, 2013; Freire & Tavares, 2011; John & Gross, 2004). Seu uso tem sido associado à vivência de mais emo-ções positivas e menos negativas, melhor fun-cionamento emocional e interpessoal, menos sintomas depressivos, maior satisfação com a vida e maiores níveis de otimismo, felicidade e autoestima, promovendo maior saúde psicoló-gica. Já a supressão emocional diz respeito à não expressão dos sentimentos e supressão da emoção (Freire & Tavares, 2011; John & Gross, 2004; Vaz, 2009 ), relacionando-se com menor experiência emocional positiva, mais afetos negativos, comprometimento social e presença de sintomas depressivos, bem como a níveis de saúde psicológica mais baixos. As-sim, a reavaliação pode ser considerada uma estratégia adaptativa, enquanto a supressão é entendida enquanto estratégia de regulação pouco adaptativa (Appleton et al., 2013 ; Vaz, 2009 ).
Nos últimos anos, tem-se observado que di-ficuldades de RE podem estar relacionadas a transtornos psicológicos ou psiquiátricos, co-mo depressão e ansiedade (Dixon-Gordon, Aldao, & De Los Reyes, 2014; Leahy et al., 2013). Além disso, em virtude da associação entre doenças crônicas de pele, em especial a psoríase, a quadros depressivos e ansiosos, ressalta-se a ligação entre dermatoses e pertur-bações da RE (Almeida et al., 2016; Faria et al., 2013). A dificuldade em manifestar emo-ções é uma das principais limitações apresen-tadas pelos pacientes psoriáticos (Jorge et al., 2004 ), assim como fragilidades do processo de RE, falta de consciência e clareza emocional, disfunção social, maior resposta emocional negativa e maior presença de sentimento de vingança, apresentando-se de forma desadap-tativa (Faria et al., 2013 ).
A RE tem sido relacionada a inflamações, a saber, pela presença de associação entre reava-liação cognitiva e níveis mais baixos de infla-mação, bem como ligação da supressão emo-cional a níveis mais altos de inflamação (Ap-pleton et al., 2013). Diante disso, pode-se dizer que fatores psicológicos, como a RE, podem funcionar como mediadores no processo de enfrentamento das doenças, influenciando positiva ou negativamente na qualidade de vida e contribuindo para a elevação ou rebai-xamento dos níveis de bem-estar. Consideran-do tal fato, tem-se a hipótese de que os índices de RE estão associados à gravidade e/ou incô-modo da doença e à presença de sintomatolo-gia depressiva. Logo, a presença de maior rea-valiação cognitiva estaria associada a níveis mais baixos de gravidade, incômodo e sinto-mas depressivos, ao passo que maiores índices de supressão emocional associar-se-iam a mai-or incômodo, gravidade e sintomatologia de-pressiva em pacientes com psoríase.
Ao entender como a RE e suas estratégias interferem no funcionamento dos indivíduos, a psicologia da saúde passa a ter informações sobre as características individuais que pode-rão ser trabalhadas para promover melhor qua-lidade de vida (Freire & Tavares, 2011; Leahy et al., 2013), tornando-se interessante, então, estudar a RE na psicodermatologia, uma vez que esta poderia explicar a presença de sinto-mas depressivos em pacientes psoriáticos. Tendo em vista que outros estudos avaliando a RE já foram realizados com pacientes acome-tidos pela psoríase em outros países (Almeida et al., 2016; Faria et al., 2013), a presente in-vestigação visa a suprir a lacuna de achados locais, a fim de promover embasamento teóri-co para possíveis intervenções.
Ao buscar pelas as palavras-chave “psoría-se” e “regulação emocional”, no mês de julho de 2019, nas duas bases nacionais mais impor-tantes (SciELO.br e PePSIC— sendo esta ex-clusiva da psicologia), não foram encontrados trabalhos, o que indica que existe uma lacuna de trabalhos nacionais a respeito das estraté-gias de RE em pacientes psoriáticos. Ao pes-quisar na SciELO.org, base de dados que abrange estudos da América Latina, Portugal e África do Sul, também não foram encontrados resultados, ressaltando a necessidade de inves-tigações sobre o tema.
O objetivo geral do presente estudo é avali-ar a influência de estratégias de RE (supressão emocional e reavaliação cognitiva), caracterís-ticas sociodemográficas (sexo, idade e renda) e clínicas (tempo de tratamento, grau e incômo-do da doença e presença de episódio depressi-vo ou ansioso anterior) na ocorrência de sin-tomatologia depressiva em pacientes adultos acometidos por psoríase.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 72 pacientes adultos, de 18 a 78 anos [média (M) = 45,1; Desvio-Padrão (DP) = 13,52], portadores de psoríase, de ambos os sexos, atendidos no Ambulatório de Dermatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Ser-gipe. A coleta foi conduzida por meio dos cri-térios acidental e de conveniência, isto é, ter programada consulta ou procedimento nos dias selecionados para a coleta de dados. O presen-te estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universi-dade Federal de Sergipe.
A maioria dos entrevistados relatou ter a doença há 10 anos ou menos (54,2%; n = 39), sendo a psoríase vulgar a forma clínica mais predominante (65,3%; n = 47). Os locais do corpo majoritariamente afetados foram unhas (61,1%; n = 44) e couro cabeludo (56,9%; n = 41). Quanto às crises, 45,8% (n = 33) da amos-tra afirmou estar em crise no momento da en-trevista ou ter tido crise há pelo menos quatro meses. Os pacientes informaram fazer uso, de forma isolada ou combinada, das seguintes medicações para o tratamento da psoríase: corticoide tópico, calcipotriol, alcatrão, hidra-tante, metrotexate, acitretina, ciclosporina, MOP 8 sistêmico e medicamento imunobioló-gico. Negaram estar em psicoterapia à época da entrevista 88,9% dos respondentes (n = 64), enquanto 81,9% (n = 59) afirmou não utilizar medicação antidepressiva ou ansiolítica.
Instrumentos
Foi utilizado um questionário para a obten-ção de dados sociodemográficos, contando com as variáveis: sexo (feminino e masculino), idade (em anos) e renda familiar [média esti-madas dos últimos três meses, em reais (moeda brasileira). Foram coletados dados clínicos relativos ao quadro dermatológico, como diag-nóstico, tempo de diagnóstico e de tratamento, tempo da última crise, autorrelato de gravidade e incômodo da doença, histórico familiar de psoríase e comorbidades (hipertensão arterial, dislipidemia —disfunção nos níveis de lipídios do sangue—, diabetes, sobrepeso, etilismo e tabagismo). O acometimento corporal (couro cabeludo, interglúteos e ungueal) da dermatose também foi avaliado. Foram obtidos dados sobre a presença de episódios de depressão e/ou ansiedade ao longo da vida do paciente e em sua família, presença ou ausência de acompanhamento psicológico (atualmente e alguma vez na vida) e utilização atual de me-dicamento antidepressivo ou ansiolítico. Tam-bém foi investigado o tratamento atual do pa-ciente para controle da psoríase.
A RE foi medida através do Questionário de Regulação Emocional (QRE) (Emotion Re-gulation Questionnaire [ERQ]; Gross & John, 2003), traduzido e adaptado para o Brasil por Batistoni et al. (2013). As propriedades psico-métricas apresentadas pela escala em seu estu-do de adaptação foram consideradas satisfató-rias, com alfa de Cronbach 0,74 para o fator reavaliação e alfa de Cronbach 0,69 para o fator supressão, bem como índices satisfató-rios de estabilidade temporal em correlação teste-reteste (> 0,70). O QRE avalia duas estra-tégias de RE: a supressão emocional e a reava-liação cognitiva. A escala é composta por dez itens, de modo que quatro medem a supressão e seis medem a reavaliação. As respostas vari-am de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). A consistência interna (alfa de Cronbach) da escala para a presente amostra foi de 0,81 para o fator reavaliação e 0,64 para o fator supressão, ambos considerados aceitá-veis.
A Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS; Zigmond & Snaith, 1983) é constituí-da por 14 itens divididos em duas subescalas: a primeira, com sete questões, indica a presen-ça de sintomas ansiosos ou diagnóstico do transtorno de ansiedade leve (itens ímpares), enquanto a segunda, com outras sete, indica a presença de sintomas depressivos ou transtor-no depressivo leve (itens pares). A HADS foi traduzida e adaptada para o Brasil por Botega, Bio, Zomignani, Garcia Jr, e Pereira (1995), apresentando propriedades psicométricas satis-fatórias e alfa de Cronbach 0,77 para a subes-cala de depressão. Sua escala de resposta varia entre zero e três pontos (ausente a muito fre-quente) com resultado máximo de 21 pontos por subescala, sendo o parâmetro diagnóstico ≥ 7 para ansiedade e ≥ 6 para depressão pro-postos em novo estudo de normatização ( Faro, 2015 ). Esta escala foi utilizada para mensurar a sintomatologia depressiva neste estudo. O alfa de Cronbach da HADS para a presente amostra (considerando apenas os sete itens de sintomatologia depressiva) foi de 0,71, consi-derado bom.
Procedimentos
A coleta dos dados foi realizada no Ambu-latório de Dermatologia do Hospital Universi-tário de Sergipe, localizado na cidade de Ara-caju (SE), entre os meses de julho de 2017 e janeiro de 2018. Foram entrevistados pacientes adultos diagnosticados pela equipe médica com psoríase que estivessem aguardando por atendimento e consentissem em participar do estudo, através do termo de consentimento livre e esclarecido. As entrevistas tiveram du-ração média de 30 minutos e as escalas foram lidas para os participantes, visto que muitos deles possuíam níveis de escolaridade reduzi-dos, e preenchidos manualmente pelos entre-vistadores.
Análises de dados
Os dados obtidos através dos questionários sociodemográficos, clínicos e das escalas fo-ram analisados através do programa SPSS (ver-são 20). Obtiveram-se frequências, médias, medianas e desvios-padrão das variáveis na análise descritiva. Os casos missing foram substituídos de acordo com os respectivos cri-térios estatísticos adequados. Inicialmente, foram realizadas análises bivariadas (U de Mann-Whitney e Qui-quadrado) a fim de sele-cionar as covariáveis para a análise multivaria-da. Em seguida, realizou-se uma regressão logística (método Backward: Wald), tendo co-mo variável dependente a presença de sinto-mas depressivos (sem sintomatologia depressi-va e com sintomatologia depressiva). As cova-riáveis foram dispostas em um bloco: grau da doença (leve, moderada ou grave) e escore de supressão emocional.
Resultados
A amostra foi composta por 48,6% de mu-lheres (n = 35) e 51,4% de homens (n = 37). A idade variou entre 18 e 78 anos, com média de 45,1 anos (DP = 13,52). No que diz respeito às faixas etárias, 26,4% dos entrevistados (n = 19) possuíam idade entre 18 e 35 anos, 34,7% (n = 25) estavam na faixa de 36 a 50 anos e 38,9% (n = 28) acima de 50 anos. A renda média familiar declarada foi de cerca de R$1349,98 (DP = 568,78), estando a maior parte dos entrevistados abaixo do ponto de corte (mediana) de R$1000,00 (51,4%; n = 37).
No que concerne às variáveis clínicas, a média de tempo de tratamento dos pacientes foi de 74,2 meses (DP = 52,00), isto é, cerca de seis anos, estando esses igualmente distribu-ídos em proporções de 50,0% (n = 36) até a mediana (Md = 66; Mín. = 3; Máx. = 192) e acima desta. A maioria dos pacientes percebeu sua dermatose num grau moderado (40,3%; n = 29), apresentando pouco e médio incômodo (55,6%; n = 40). Além disso, 54,2% (n = 39) da amostra negou a presença de episódios de-pressivos ou ansiosos anteriores.
Os participantes apresentaram média de 6,0 pontos na escala de depressão (DP = 3,71), de modo que 48,6% (n = 35) indicaram sintomas depressivos. A mediana dos respondentes na escala de RE foi 48 pontos (Mín. = 27; Máx. = 70) e 52,8% (n = 38) da amostra pontuou até a mediana da escala. Na subescala de Reavalia-ção Cognitiva, a mediana foi de 35 pontos (Mín. = 7; Máx. = 42), ao passo que a mediana da subescala de Supressão Emocional foi 16 de pontos (Mín. = 4; Máx. = 28).
Relações bivariadas entre as variáveis sociodemográficas, clínicas, estratégias de regulação emocional e a presença de sintomatologia depressiva
As variáveis sociodemográficas (sexo, ida-de, renda) e clínicas (tempo de tratamento, grau da doença, incômodo da doença e episó-dio anterior de ansiedade e depressão), assim como as duas estratégias de RE (reavaliação cognitiva e supressão emocional) foram relaci-onadas à variável dependente, presença de sintomatologia depressiva, a fim de definir quais covariáveis seriam incluídas no modelo de regressão.
As variáveis faixa etária, renda categoriza-da, tempo de tratamento categorizado, incô-modo da doença e presença de episódio ante-rior de ansiedade ou depressão não exibiram significância estatística (p > 0,05). O teste U de Mann-Whitney mostrou que apenas a supres-são emocional apresentou diferença estatisti-camente significativa (U = 430,0; p = 0,014) para sintomatologia positiva. No grupo com sintomas depressivos, a mediana foi de 19 pontos (Mín. = 4; Máx. = 24), ao passo que aqueles com ausência de sintomas exibiram mediana 14 (Mín. = 4; Máx. = 28). O teste Qui-quadrado demonstrou que a variável grau da doença (χ2 = 7,301; p = 0,026) associou-se de forma estatisticamente significativa com o sintoma depressivo: pacientes que perceberam a doença como moderada (48,6%) e grave (37,1%) pertenceram ao grupo de sintomatolo-gia depressiva.
Análise inferencial para associação entre grau da psoríase, supressão emocional e sintomas depressivos
A regressão logística apresentou um modelo final satisfatório [Omnibus test = 15,026 (p = 0,002); Hosmer e Lemeshow X² = 11,009 (p = 0,201)], com 25,1% de variância explicada (Nagelkerke R = 0,251). Tal solução foi capaz de prever corretamente aproximadamente 75% dos casos pesquisados. Observou-se que foi aproximadamente seis vezes mais comum encontrar pacientes que perceberam a psoríase como moderada (OR = 6,1; p = 0,009) e grave (OR = 6,2; p = 0,012) em comparação aos que perceberam como leve no grupo de pessoas com sintomatologia depressiva positiva. Além disso, escores mais altos de supressão emocional foram mais comuns entre as pessoas com sintomas depressivos (OR = 1,1; p = 0,01) ( tabela 1 ). A regressão logística ratifica que a mediana dos pacientes que exibiram sintomas de depressão foi significativamente mais alta (Md = 19) do que daqueles sem sintomas (Md = 14).
Discussão e conclusões
O objetivo geral desta investigação foi ava-liar a influência de estratégias de regulação emocional (supressão emocional e reavaliação cognitiva) e características sociodemográficas (sexo, idade e renda) e clínicas (tempo de tra-tamento, grau e incômodo da doença e presen-ça de episódio depressivo ou ansioso) na ocor-rência de sintomatologia depressiva em pacien-tes adultos acometidos por psoríase.
Corroborando as hipóteses estabelecidas, os resultados da regressão logística apontaram a existência de uma relação entre a percepção de gravidade da doença e a presença de sintomas depressivos, o que reforça os achados da litera-tura em direção ao comprometimento e incapa-cidade gerados pela psoríase (Almeida et al., 2016; Faria et al., 2013; Silva, 2014 ). Ademais, observou-se que o maior uso da estratégia de supressão emocional esteve relacionado à sin-tomatologia depressiva, assim como demons-tram outras evidências (Aldao, Nolen-Hoeksema, & Schweizer, 2010; John & Gross, 2004).
A amostra deste estudo foi composta de modo aproximado quanto à proporção por se-xo, concordando com o que traz a literatura acerca da similaridade do acometimento da psoríase entre os sexos (Boehncke & Schön, 2015; Consenso Brasileiro de Psoríase, 2012; Silva, 2014 ). Quanto à idade, também corrobo-rou no que concerne a um pico de maior inci-dência entre a quinta e sexta décadas de vida (Consenso Brasileiro de Psoríase, 2012; Silva, 2014 ; WHO, 2016). Assim, observou-se que a presente amostra foi similar à população geral estudada, o que reforça a possibilidade de se caracterizar por uma amostra próxima à repre-sentação dessa doença na realidade, ao menos no que tange às variáveis sexo e idade.
Quanto à autopercepção da gravidade e in-cômodo da doença, 40,3% dos respondentes relataram grau moderado de percepção, en-quanto apenas 30,6% a perceberam como gra-ve. Alto nível de incômodo foi apontado por 44,4% dos pacientes. Este dado se aproximou do relato de outros estudos, em que 47,9% a 49,4% da amostra (psoríase em remissão e ati-va, respectivamente) avaliou a dermatose como grave, enquanto 45,8% a 59,2% dos casos a percebeu como incômoda (Faria et al., 2013 ). É importante perceber que nestes estudos, além de se relatar o incômodo relacionado à doença, avaliou-se também a intensidade percebida, apontando mais uma evidência a respeito do comprometimento e sofrimento causados pela psoríase. Ademais, no que concerne ao autorre-lato da presença de episódios depressivos ou ansiosos anteriores, o percentual indicado no presente estudo foi de 45,8%, acordando com o índice apresentado por ambos os grupos (43,4% e 50,7%) em Faria et al. (2013), dados estes que reforçam o quanto a psoríase tem sido associada a quadros de sofrimento psico-lógico.
O dado de sintomatologia positiva para de-pressão neste estudo aproximou-se dos acha-dos da literatura, apresentando ocorrência em torno de 50% (Faria et al., 2013 ). As evidên-cias quanto à presença de sintomas depressivos ressaltam o alto índice de comprometimento psicoemocional desencadeado pela doença de pele, destacando a necessidade de acompa-nhamento psicológico desses pacientes.
Sabe-se que doenças de pele tendem a inter-ferir no cotidiano dos indivíduos, alterando também seu estado psicoemocional (Almeida et al., 2016; Consenso Brasileiro de Psoríase, 2012; Faria et al., 2013; Silva, 2014 ). A pre-sença de sofrimento psicológico é fator agra-vante para as afecções dermatológicas, poden-do exacerbar as lesões e piorar o quadro clínico ( Calvetti, 2014 ; Faria et al., 2013; Ludwig et al., 2008). Além disso, episódios depressivos podem comprometer o funcionamento diário e levar ao suicídio (Consenso Brasileiro de Psorí-ase, 2012; WHO, 2016). Em virtude disso, a comorbidade entre a psoríase e sintomas de-pressivos pode aumentar ainda mais o sofri-mento ocasionado pela dermatose, tornando-se de fundamental o suporte psicológico aos paci-entes psoriáticos, a fim de promover maior saúde e qualidade de vida e auxiliar no enfren-tamento às limitações impostas pela doença.
A literatura tem evidenciado dificuldades dos pacientes psoriáticos em relação às estraté-gias de Regulação Emocional (Almeida et al., 2016; Faria et al., 2013). No presente estudo, observou-se que os índices de supressão foram mais altos em pacientes identificados com sin-tomas depressivos, o que corrobora os achados de Almeida et al. (2016) de correlação entre dificuldades de RE e presença de sintomas psicopatológicos.
Indivíduos que suprimem mais as emoções têm sido apontados como mais vulneráveis ao aumento de sintomas depressivos e presença de psicopatologias (Aldao et al., 2010 ; John & Gross, 2004). Isto porque a supressão das emoções acarreta consequências tanto fisioló-gicas quanto psicológicas, levando também a uma supressão do sistema imunológico e con-sequente exposição do corpo ao adoecimento (Patel & Patel, 2019). A supressão emocional está relacionada à experiência de mais emoções negativas que, por sua vez, podem afetar nega-tivamente a saúde física e psicológica dos indi-víduos (Aldao et al., 2010 ; Appleton et al., 2013; Gross, 1998 ; John & Gross, 2004; Vi-lhena et al., 2014). Logo, a presença de maior supressão emocional junto aos pacientes com psoríase parece ocorrer de forma menos adap-tativa, sugerindo maior sofrimento psicológico, pois se relaciona à maior ocorrência de sinto-mas depressivos.
Acredita-se que a ausência de relevância da reavaliação cognitiva no presente estudo se deu em função do baixo repertório de estratégias dos pacientes. Achados ressaltam que a reava-liação é uma maneira eficiente em modificar as emoções negativas e positivas a curto e longo prazo. No entanto, os efeitos da reavaliação em respostas fisiológicas em laboratório são discu-tíveis, pois ainda que não esteja associada a aumentos significativos na reatividade em rela-ção a grupos controle, também não se relaciona de forma consistente com reduções importantes na reatividade. Nesse sentido, entende-se que ainda não está claro se a reavaliação é percebi-da como uma estratégia de regulação de emo-ções considerada fácil para ser usada com su-cesso, especialmente se comparada a outras estratégias (Troy, Brunner, Shallcross, Fried-man, & Jones, 2018). Ainda, acredita-se numa possível deficiência de reavaliação cognitiva em pacientes deprimidos (Wang, Zhou, Dai, Ji, & Feng, 2017), o que explicaria a ausência de significância desta estratégia no presente estu-do.
Nenhuma variável sociodemográfica foi es-tatisticamente relevante na relação com sinto-mas depressivos na presente amostra. Por outro lado, o modelo logístico demonstrou que dados clínicos, como a autopercepção da severidade da doença como moderada ou grave, assim como os níveis de supressão emocional, exibi-ram relação significativa com a sintomatologia depressiva. Este modelo se mostrou estatisti-camente adequado aos indicadores de qualida-de esperados (Garson, 2016), apresentando-se de forma apropriada para descrever a relação entre a sintomatologia depressiva e as covariá-veis estudadas.
A respeito das limitações desta investigação, é necessário pontuar que a amostra foi reduzi-da em função do público-alvo restrito, devido à existência de apenas um ambulatório no Estado para atendimento específico a pacientes com psoríase. Torna-se interessante que futuros estudos desenvolvidos em outros locais bus-quem uma amostra mais ampla, para fins de aproximação à representatividade da prevalên-cia populacional da psoríase, estimada em 1,3% no Brasil (WHO, 2016). Além disso, re-comenda-se diversificá-la em termos de condi-ção clínica, para que assim seja possível reali-zar comparações entre grupos. Tais compara-ções podem ocorrer entre grupos clínicos (pa-cientes psoriáticos com sintomas ativos e em remissão), ou ainda outras doenças de pele que comprometem o funcionamento (como derma-tite atópica ou vitiligo). Uma possibilidade adi-cional é a inclusão de grupos controle sem afecções dermatológicas, visando à obtenção de evidências distintas quanto ao funcionamen-to psicológico de tais pacientes.
Outras limitações concernem ao delinea-mento do estudo, que foi transversal e correla-cional, sugerindo-se futuras investigações de caráter longitudinal e pesquisas experimentais, a fim de se obter dados explicativos a respeito da relação entre severidade da doença, estraté-gias de RE e sintomatologia depressiva. Vale ressaltar também que o estudo não realizou uma entrevista clínica para o diagnóstico de depressão, apenas rastreou tais sintomas nesses pacientes. Ainda, sugere-se a investigação de outras estratégias de Regulação Emocional para além da reavaliação e supressão emocional, visando a evidenciar que outras estratégias seriam relevantes para intervenção. Finalmente, não foi possível utilizar um parâmetro clínico para obtenção de dados referentes à gravidade e incapacidade geradas pela psoríase. Nesse sentido, a coleta de dados quanto à severidade da condição dermatológica a partir de critérios clínicos, como escores de gravidade disponíveis na literatura e dados como tipo de tratamento e medicamento utilizados são sugestões para próximas pesquisas.
Frente aos achados do presente estudo, acredita-se que persiste a necessidade de maior atuação dos psicólogos no acompanhamento de pacientes dermatológicos. A partir disso, seria interessante a proposição de intervenções de caráter psicológico visando ao desenvolvimento de estratégias mais favoráveis de RE, visto que as emoções estão grandemente associadas à saúde física e mental. Ao prover maior atenção e assistência à saúde mental desses pacientes, espera-se uma melhora no quadro clínico na perspectiva dermatológica, potencializando-se, então, um enfrentamento mais adequado da doença. A exemplo disso, a modificação de comportamentos e maior adesão ao tratamento contribuem para a promoção de melhor qualidade de vida em saúde dos pacientes com psoríase.
Resume:
Introdução
Método
Participantes
Instrumentos
Procedimentos
Análises de dados
Resultados
Relações bivariadas entre as variáveis sociodemográficas, clínicas, estratégias de regulação emocional e a presença de sintomatologia depressiva
Análise inferencial para associação entre grau da psoríase, supressão emocional e sintomas depressivos
Discussão e conclusões